sábado, 19 de janeiro de 2013

o garoto que gostava de café

          - Néctar, mesmo que amargo, torna a vida doce. – disse a jovem enquanto erguia aquela caneca cheia de café e levava a sua boca.
Então o garoto riu, pensou ser irônica a afirmação. Aproximou-se da garota e perguntou o porquê de tanta frescura para beber uma simples xícara de café. Ela respondeu:
- Beba um gole.
Ele bebeu, pediu ao garçom da lanchonete mais uma xícara, sentou-se ao lado da garota, e ao receber seu café, bebeu, sentiu seu sangue circulando, sentiu-se vivo, assim ele soube que tudo o que precisava era de uma xícara de café todo o dia.
Chegou em sua casa, sentou-se em sua cama, bebeu mais café, inspirou-se e escreveu um conto, percebeu que sua inspiração o fazia feliz, e soube que tudo o que precisava era de uma xícara de café todo o dia.
Ficou um tempo sem beber café, passou por muitas coisas, estava cansado, sem inspiração, desanimado, aí percebeu que faltava algo: voltou a tomar café e soube que tudo o que precisava era de uma xícara de café todo o dia.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Meus sentidos, seus elementos

Quando ouço aquele vento,
posso ver aquele gelo
que saia do seu olho
quando em mim havia desespero

Quando vejo aquele calor,
percebo que já se foi
talvez ninguém tenha dado valor
e subvertido foi, coberto por um falso amor

Quando sinto a água
passar entre meus dedos
percebi que da mesma forma
a felicidade que escapa, eu tenho cada vez menos

E então acabo provando
o sal das minhas próprias lágrimas
e que agora secando,
parecem terras áridas, como vindas do Saara.

Aí, quando eu sinto aquele cheiro
lembro rapidamente daquele tempo,
em que existia o desejo
de ser feliz a todo o momento.

E agora eu percebo que faltam sentidos
faltam emoções e também os elementos
falta a lembrança daqueles singelos pensamentos
faltam músicas e segredos descobertos
para completar aqueles sentimentos secretos
que não existem mais.

Diário daquele que ousou mexer com o tempo e com o espelho

8 de maio - Incrível, mesmo que eu tenha menos tempo com os meus eus, eu tenho conhecido cada vez mais eus, e tenho conhecido cada vez mais eles, tenho conhecido muito mais a mim dessa forma, não posso negar que ouvir aquele espelho chorando, eu ainda me irrito, também não posso negar que o Tempo tem sido cruel mandando cada vez mais eus e me deixando cada vez menos tempo para eles.
                                            ***
2 de junho - Não tenho porque reclamar, eu consigo suportar os detalhes ruins, até que tenho conseguido organizar tudo, tenho me dividido bem, então o Tempo não vai conseguir me deter, eu tenho conseguido tudo o que eu quero, tenho conseguido tudo o que eu preciso, quem diria que eu iria conseguir vencer o tempo?
                                            ***
16 de julho - Achei que tinha acabado, achei que o Tempo não tinha tanto poder assim, mas agora eu vejo que estava errado. O Tempo é muito mais poderoso que parece, quem o controla deve ser a criatura mais poderosa que existe.
                                            ***  
23 de julho - Tive um sonho, ou talvez tenha sido real, não sei de mais nada, o Tempo tem me deixado confuso... bem, acho que depois dos últimos acontecimentos, não posso mais chamá-lo simplesmente de Tempo. Deixe-me explicar:  Ele me fez uma visita. Você me pergunta quem? Sim, ele, Chronos, o próprio tempo. Ele veio mostrar a mim que não há quem o engane, veio dizer a mim que o castigo viria por não deixá-lo dormir, que as noites de insônia graças ao maldito espelho sentimental e depressivo foram muitas e que eu não ia passar  por isso sem sofrer um pouco. (Maldito espelho!!!)
                                            *** 
21 de setembro - Faz tempo desde a última vez que escrevi aqui, tem sido difícil, não tenho tempo pra mais nada, tenho tido compromissos atrás de compromissos, estudos, trabalho, relacionamento, família... Nem dormir tenho conseguido mais, afinal, deixei Chronos sem dormir, acho que para ele é justo. 
                                            *** 
9 de outubro - Tentei parar de reclamar, mas não consigo, Chronos tem sido bastante cruel, faz semanas desde a última vez que consegui falar com um de meus eus, não tenho conseguido estudar o suficiente, e fica cada vez pior, eu queria ao menos entender como parar isso tudo. 
                                            *** 
30 de novembro - Esse mês eu fiz aniversário. É irônico como eu deveria ser grato por ser um ano mais velho quando isso não traz vantagem alguma, significa menos um ano de vida, menos tempo pra viver, e não bastando Chronos ainda estar bravo comigo já que não conseguiu dormir desde o início do choro do espelho... Chronos... Egoísta, megalomaníaco, queria que me deixasse em paz, não aguento mais, se ele é tão poderoso assim, porque não para o espelho agora?
                                            *** 
31 de dezembro - Final de ano, festa, felicidade, esperança... Pra quem? Para um povo conformista, que vive uma vida medíocre, que não reconhece o valor da liberdade? Um povo acostumado a viver a vida que lhes é atribuída? De fato, temos que perder o que temos para darmos valor, perdi a minha liberdade, virei escravo do tempo, vivo para ele, mendigando um minuto a mais de sono pela manhã, um minuto a mais acordado antes de dormir, um minuto a mais para passar com as pessoas que eu quero, trinta segundos a mais para que eu possa terminar o trabalho que tenho que entregar agora... Talvez eu precise de um pouco dessa esperança de que tanto falam, talvez precise ser um pouco mais ingênuo, e talvez assim consiga me libertar de Chronos, mas ainda é inegável a tirania do mesmo. Entenda que eu valorizo o tempo, isso já não é suficiente?
                                            *** 
1 de janeiro - Pela primeira vez em muito tempo tenho uma resposta. Essa noite chegou aos meus olhos alguém idêntico a Chronos, alguém que eu podia jurar que era ele, porém mais novo. Sinceramente, não entendo onde está o poder de Chronos se ele não pode deixar a si mesmo mais novo... Mas enfim, o que interessa é que eu vi ele, mas não era ele, tinha uma voz mais sábia, mas ao mesmo tempo mais jovem, uma voz que me compreendia, e que por mais que estivesse sonolento, ficava calmo e não irritado. Era seu filho, Kairós, O tempo certo, O momento oportuno. Ele é aquele que sabe como aproveitar o tempo, ele não é afobado, nem megalomaníaco, nem arrogante como seu pai, por que sabe que ele tem todo o tempo do mundo para ter tudo, e ele tinha também todo o tempo do mundo para me ensinar a aproveitar o tempo, em uma noite, conseguiu me dizer tudo o que eu precisava fazer, mas agora estou com sono, melhor dormir.
                                            *** 
2 de janeiro - Kairós apareceu aquela noite, e me disse algo que me fez rever tudo o que aconteceu. Kairós disse que eu precisava de tempo para mim mesmo. Fiquei tão preocupado em rever meus eus, conversar com meus eus, ver filmes, ouvir músicas, fazer tudo isso com os meus eus, que acabei esquecendo de olhar para o eu mais importante, o único eu que sempre está comigo. Eu. Às vezes é necessário ser egoísta para manter o tempo oportuno, oportuno, era o que eu precisava, tempo para mim mesmo, tempo para me olhar no espelho, tempo para descansar, ler um bom livro... Tudo ia se acertar em breve.
                                            ***   
14 de janeiro - Meu último problema foi de fato resolvido, me sinto livre, agora que tenho tempo para mim, agora que penso em mim, agora que voltei a olhar para o espelho, por mais que nele só tenham sombras do meu passado, sei que essas sombras aos poucos vão adquirir a minha imagem, como posso exigir ao espelho que lembre o meu rosto quando não me via a muito tempo, ainda mais que ele estava cheio de lágrimas nos olhos... Enfim, convidei-o para tomar um café, fiz as pazes com esse chorão, mas valeu a pena, me sinto em paz novamente, tenho a minha vida em minhas mãos, não dependo completamente do tempo, mas agora entendo o seu poder. Kairós, o tempo oportuno, é de fato a base para entendê-lo, saber aproveitar o que se tem, mesmo que seja pouco, é a base para o que eu preciso, e agora eu tenho!

Soneto dos sonhos

E se eu pudesse saber
tudo o que vai acontecer
o que será que eu mudaria?
Talvez nada.

E se ao olhar pro céu
eu visse rostos nas nuvens
acho que jogaria ao léu
tudo o que faz feliz os homens

Mas se eu pudesse voar
nadaria em nuvens de algodão
pularia no ar, não importando a estação

E ao sonhar
saberia que acordado eu me encontro
poderia me espelhar, em meio ao sono.


A lua foi ao cinema,
passava um filme engraçado,
a história de uma estrela
que não tinha namorado.

Não tinha porque era apenas
uma estrela bem pequena,
dessas que, quando apagam,
ninguém vai dizer, que pena!

Era uma estrela sozinha,
ninguém olhava pra ela,
e toda luz que ela tinha
cabia numa janela.

A lua ficou tão triste
com aquela história de amor
que até hoje a lua insiste:
- Amanheça, por favor!
Paulo Leminski