quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Mudança

Chega ao lugar
Joga tua mochila
deixa cair sem medo
quebrar tudo
não é estressado que se cochila

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Pescaria

               Estava olhando a rede, olhando atentamente, procurando antigos nós que podiam estar se desfazendo. E para matar a saudade da pescaria, resolvo ver como está todo o material. Olho as linhas enredadas e desenredo todas, busco novas iscas e novos anzóis, mas não me desfaço de minhas antigas linhas, varas e principalmente as redes. 
               Foi graças às redes que achei algo que nunca imaginaria achar. Bem, depois de muito tempo sem pescar nada, resolvi praticar jogando as redes em águas que ninguém costuma jogar, e nem sei o porquê, na verdade há uma lenda sobre isso, mas não é importante agora. Enfim, foi aí que achei o tal item que nunca imaginaria achar. 
               Um velho livro manchado de crônicas do qual já havia esquecido da existência. Agora, vendo que foi a única coisa pega por minha rede, recolho-a para o barco e pego o livro, um livro pequeno, incrivelmente seco e limpo, como se não tivesse estado na água todo esse tempo [como se eu soubesse quanto tempo ele esteve ali], em sua contracapa há um manuscrito ilegível e mais em baixo, algo que parece ser uma assinatura. Fechei o livro.
               Agora voltei com o barco para a margem deste rio, ou talvez um mar. Recolho tudo o que me pertence, incluindo o livro, e vou descansar. Mais tarde, bem mais tarde, à luz das velas em meu quarto, deitado em minha cama pego o livro mais uma vez. Com minhas mãos juntas e o livro no meio delas e fecho meus olhos, de um modo ritualístico abro o livro em uma página e eis o que diz em negrito e sublinhado, não mais um manuscrito: "Meu Clone". 
               E me deparo com a minha cabeça dilatando ao encontrar-me em confusão. Não sei o que isso quer dizer, mas parece que o livro está dialogando comigo. Marco a página. Tento colocá-lo na estante, mas ele fica me chamando, deito a cabeça em um travesseiro macio, daqueles que qualquer um coloca a cabeça e logo dorme, mas não foi assim, não esta noite. O livro me chamava e eu mandava calar, ele gritava e eu o tentava silenciar com outros livros, nada adiantava, por fim, peguei o livro novamente, abri na página marcada e li. Unidos por um --- só, uma --- monstro, um --- constante. A princípio, apenas literatura. um corte. Olho o dedo. uma música. Olho o violão. um espelho. NÃO.
               Algo parece começar a fazer sentido. Isso só pode ter sido feito por... Não pode ser... Não por... Olho para o espelho mais próximo e vejo a mim mesmo, agora com as mãos no rosto, esperando que a reação do espelho possa ser diferente da minha, e consequentemente perceber que tudo é um pesadelo. O pior de todos. Acordo, mas não porque eu estava tendo um pesadelo, e sim porque agora estava num estado de lucidez que não poderia atingir antes, minha mente foi transportada para a "última noite" antes de tudo ter acontecido. Na verdade, dependendo da noite, eu podia esperar ou não por tudo o que iria acontecer. E viajando pelo tempo tudo o que está escrito naquele livro recolhe-se em minha mente. Sei de tudo o que está escrito e tudo o que aconteceu para que este momento chegasse. E voltando para o presente percebo: fui eu. 
               Parece estranho, não? Eu ter escrito tudo isso e me esquecer assim. É que eu morri, morri para mim mesmo, e nem sei o porquê. Mas na verdade não era eu, eu mesmo. Era um outro eu. Um eu mais alto, mas com o cabelo igual, não só o cabelo na verdade. Era eu. E não havia quem negasse, todos nos conheciam e sabiam que eu era eu, mas sempre respeitando as diferenças entre eu. O que eu faria, eu nunca fiz, o que eu comia, nunca comi, na verdade, mas tudo estava em mim. 
               Havia "pessoas" "pra te mostrar que estou voltando", "pouco a pouco" "suplicando" o "verdadeiro amor" e todos eram letras, palavras, frases e todos agora estavam em mim e eram eu. Mas afinal, quem era eu? Porque teria escrito aquilo? e a resposta era simples: "Meu Clone".
               Peguei meu barco. Quatro da manhã. Joguei o livro na água. O mar do esquecimento. 
               Aparentemente caí no sono em meu barco.

***
               
               Acordei. Saí da cama para tomar café, uma dor de cabeça forte e palavras se mexendo em minha cabeça, melhor botá-las para fora. Escrevi.

Estranho

               Parece estranho eu dizer esta palavra, mas ao mesmo tempo é tão comum que chega a ser clichê. Estranho. Pode significar tanto, pode ser referido a tantas coisas. Mas hoje, Estranho significará e será referido a um único personagem, o Dr. William Eird.
               William, ou como assinava W. Eird era professor numa das maiores faculdades de seu país. Para todos os efeitos, W. Eird era um homem bastante comum, tinha uma casa bem grande, dois carros, dois filhos talentosíssimos, - que sabiam três línguas sem contar a materna, dois instrumentos e ainda pintavam e escreviam - uma esposa linda - e muito inteligente.
               Dava aulas na tal faculdade, e depois ainda conseguia tempo para cuidar de seus filhos, ser carinhoso com sua esposa e ainda pesquisar. Amava pesquisar. [Bem, agora se faz necessário dizer o que ele ensinava/estudava/pesquisava: Façam de conta que eu já disse que ele é Doutor em História Moderna]. E suas pesquisas o transportavam para o mundo em que gostava de viver. Não que não amasse sua vida, mas amava o passado, embora não amasse seu próprio passado.
               Sua vida tinha sido comum antes de conhecer sua esposa e antes de realizar seus sonhos, mas não o era para ele. Para Will, - como era chamado quando jovem - sua vida era complexa, detalhada, cheia de variáveis e nem todas eram consideradas sempre pelos outros, mas novamente, não para ele. William era bastante analista quanto as variáveis e detalhes que caracterizam ou caracterizaram sua vida, ele sempre levava tudo em consideração e isso o dava uma vantagem a ele em sua vida profissional, mas sempre causava problemas em sua própria vida pessoal. Por considerar variáveis demais, detalhes demais e todas as possibilidades possíveis, acabava sempre exagerando, mesmo quando os detalhes considerados não tinham relação alguma.
               Já em relação aos outros, sempre tinha a quantidade exata de fatos que o ajudavam a transcrever a História da vida de seus amigos, e também como seria a vida dos mesmos se decidissem realizar determinadas escolhas, mas não era capaz de prever seus próprios passos, o que o impediu de prever que perderia coisas que até certo momento eram preciosas para ele.
               Deveria saber que tudo o que perdeu era para o seu próprio bem, e sem aquelas perdas não teria ganho o prêmio final. O problema é que não podia conviver com o seu passado em seu presente. Não estava preparado para ouvir o "Como está ---?" porque ficaria sem jeito, não ficaria triste nem irritado, apenas sem jeito, sem saber que reação teria que ter e isso sim o deixava irritado. Era uma cena tão comum e que ia se repetindo ao passar dos séculos, então achava que deveria saber como reagir, mas ainda sim cria mais na visão da antiguidade, na qual, esse tipo de situação resultava em mortes. Mas não, a ideia era matar as lembranças e não pessoas.
               Além disso não podia ver as pessoas de seu passado, mas as via com muita frequência, era como se fosse perseguido por elas. Sentia-se como se fosse um astrônomo durante a inquisição, mas não o era, era um homem do século XXI, um homem que precisava deixar de lado certos causos do seu passado, mas que constantemente vinham a sua mente, quase como se uma voz soprasse todas as lembranças para dentro toda vez que berrava suas memórias para fora.
               Todo esse transtorno o afetava periodicamente, vinha e ia conforme convinha às próprias memórias, não conforme convinha à W. Eird. Realmente o seu passado estava nas suas costas e sempre o perseguindo, mas afinal, o passado faz parte da vida de uma pessoa, não? É o passado que constrói  não só o presente e o futuro, mas tudo o que eles significam. William não deveria esquecer o seu passado, ou ignorá-lo, mas entender que a sua história foi boa para com ele, e fazê-lo conhecer o bem que é a "vida do hoje" se comparado à "vida do ontem". O que William precisava entender, é que o passado dele é que o fez o grande historiador que era hoje.
               Will, mesmo que seja estranho, a sua história o tornou um verdadeiro historiador.