quinta-feira, 4 de junho de 2015

O Exílio e O Asilo

A tarde era escura, quase como noite, e as nuvens pesadas encobriam todo o topo do céu, assim só podia vê-lo no horizonte, mas mesmo lá não havia luz. Acho que não é necessário dizer que choveu, e como choveu. Eu gosto da chuva, mas já estava farto dela no instante em que ela começou a cair. Essa água fez parte da minha vida em muitos momentos importantes, a ponto de eu simplesmente ter me enjoado. Espero que as nuvens não tomem isso como algo pessoal, até porque ainda amo sentir as gotas caindo, principalmente sobre o topo da minha cabeça, só não queria nada disso naquela hora.

Ainda assim decidi sair por aí, como eu não fazia há muito tempo. Não foi uma decisão tão espontânea e tão minha, contudo continuava sendo a escolha que eu fiz. Me pus a caminhar, sem objetivo algum, apenas uma perna na frente da outra, ambas debatendo sobre o que viria depois. Andava só, na selva de abstrato cheia de prédios sem forma nem sentido, que se espalhavam modulantes em todas as direções, o meu olhar contrastava o que eu enxergava com os pensamentos que achava ser concretos anteriormente e era tudo tão incolor que até mesmo eu me acinzentava. Nada de edenico nessa caminhada, muito pelo contrário, em minha mente estavam as projeções dantescas do futuro próximo enquanto minhas pernas continuavam indo adiante. Estava sem perspectivas do que viria a seguir, passei a simular cenas que nunca ocorreriam, cenas coloridas que modificariam o panorama preto e branco que se anunciou mais cedo. A pouco o sol estava no centro do céu, antes de as nuvens se fecharem sobre ele, e nesse contexto é que eu fui exilado.

Parece até exagero falar em exílio e assim, sem querer, me comparar a pessoas que se encaixariam nesse termo muito melhor que eu, mas a questão é que eu fui sim retirado do lugar que eu achava ser vinculado a mim. Tudo aconteceu sem desastres homericos, na verdade. Apenas fui sendo marginalizado aos poucos até cair em esquecimento. Sem hiperboles, apenas pontos factuais. Fui excluído da vida de uns, privado de lugares, exilado da memória de outros e ainda, ostracizado da literatura de alguns mais. Como se nunca tivesse vivido o que vivi, como se não estivesse estado lá naquele dia que todos lembram como incrível, o qual acabou por virar escrita, e ainda, como se eu não fizesse parte dos motivos para aquele ser um dia inesquecível, como afirmam. Como se, também, não tivesse feito parte das vidas daqueles que me chutam para fora por motivos completamente duvidosos. Ainda, como se eu fosse um problema… um problema, não… O maior dos problemas… não, não, ainda não… O único problema. Okay, talvez a maioria vá pensar que isso tudo não passa de coitadismo (aliás, que palavra feia), ainda é a verdade, e a minha existência em meio a existência de outros foi sumindo em gradiente, como um fade out ao fim de uma cena em um roteiro.

O curioso é que a vida continua, e eu, ostracizado, ainda existia, mesmo que apagado em diversas estruturas, ainda que esquecido por sujeitos individuais. Estar apegado ainda era um problema, mas era tarde. Agora o objetivo era encontrar asilo, lugares de calma e paz, vidas nas quais pudesse me depositar novamente. E continuei andando. Me sentei em frente ao mar no dia escuro e frio entregando gotas a quem deveria conter toda a água existente em mim. E agora que tudo o que havia de líquido em mim havia encontrado asilo, era vez do eu sólido encontrar um lugar para ficar, e procurava conversar com alguém que pudesse me ajudar, e por isso movi minhas pernas ainda mais. Elas gritavam, agora, andando cada vez mais rápido em direção de algo, em caminhos tortuosos, confusos para o meu entendimento. Por esses caminhos encontrei asilos antigos, manicômios, prisões e hospitais… Foucault me entenderia agora, e entenderia também o porquê de eu não querer permanecer nesses lugares, não era ali que deveria estar. Merci, Michel.

Ainda precisava de um lugar e não achava. Por isso minhas pernas, já cansadas e doídas ainda aceleravam o seu movimento a fim de me levar ao lugar onde eu precisava estar e em meio a vozes dissonantes e instrumentos desafinados, eu me encontrei. Ali estavam as frestas que me ventilavam, novidades que pareciam me iluminar o futuro, de algum modo, tudo o que eu mais desejava, mesmo sem saber muito bem do que se tratava, como diz a canção, eu podia encontrar naquele mesmo lugar. Lugar de asilo, refúgio, descanso. E eu pude reaparecer, reexistir, fui recolorido e restituído, era eu ali, novo em folha, no meu lugar.