domingo, 23 de agosto de 2015

Teatro de Insetos

Um homem com seus pensamentos e sentimentos reduzidos a pó por decepções. Fora transformado em inseto por esses motivos. Agora, inquieto e procurando um modo de reencontrar sua humanidade, ou conformado com sua nova vida buscando a sua nova casa apenas com o endereço em sua mente, ou em seus instintos. Bom, não sei ao certo o que fazia. Seja lá onde estivesse indo, passou no meio de uma briga. Um homem e uma mulher bem vestidos discutiam algo que não soava inteligível ao inseto. Não importava, o seu caminho não era aquele, mas passou pelo meio dos dois. A mulher esperneando sem ritmo algum, pisoteou o pobre inseto. Era o fim das suas chances de voltar a ser humano.


Gregório, um inseto travestido em homem, arrogante, irritante, crocante e ignorante. Residia na mesma casa de madeira que sua esposa (quase ex-esposa, na verdade), Joana - o nome já diz tudo. Desde que se casaram, não pararam de brigar, e isso já tinha acontecido há dois anos. Até hoje nem eu, nem ninguém entendemos como eles conseguiram se casar, nem o motivo. Agora, enfim, estavam tendo uma conversa crucial, todo o relacionamento ia depender desse momento. Gregório citava com frieza cada uma das falhas de Joana, e ela, esperneando o chamada dos piores chingamentos possíveis. Não estavam preocupados com nada que pudesse estar acontecendo além do mundo deles, não se importavam com o barulho do chão de madeira ao bater os pés no chão, nem com os irritantes gritos que saíam de suas bocas, nem ainda se de alguma forma estavam interferindo na vida de algum outro ser.
Curiosa é a vida, incrivelmente. Pois após todo o acontecido, Gregório não resistiu à beleza irritada de Joana e suas sardas. Beijou-a. Desistiram de todas as mágoas. Foram felizes juntos, ao contrário de outros insetos.

sábado, 8 de agosto de 2015

Crônicas do Errante e sua Indissociável Mochila I

O único elemento lógico que habita dentro da própria vida é que ela não possui uma lógica própria. O mais ilógico nisso tudo é que as pessoas ainda se surpreendem com essa característica tão óbvia da existência. Risos. Talvez porque lá no fundo pensamos que realmente há um sentido único para o qual toda a vida flui, só que somos incapazes de perceber como, quando e o quanto isso acontece. Em parte, admito que acredito nisso e há mais um que acredita, e é sobre ele que eu quero escrever. Vamos chamá-lo de Errante.
A primeira característica visível do Errante é que ele não é a pessoa mais certa do universo, rema contra a maré e evita ao máximo estar de acordo com a maioria, isso se tornou um defeito à medida que se acha melhor por isso, e também ao deixar de gostar de músicas, comidas, livros e filmes apenas por ser o gosto da maioria. Particularmente, esse jeito é algo que detesto nele. Espero que ele mude e rápido. Enfim, vamos continuar antes que eu me perca. Uma parte interessante em ele não ser muito certo é que ele dá liberdade para coisas novas em sua vida, especialmente mudanças.  E um terceiro aspecto, vale lembrar, é justamente os erros que comete, não que esse seja o motivo de o chamarmos de errante, o apelido tem uma conotação diferentíssima.
Okay, outra interpretação possível seria dizer que ele anda incerto por aí, mas também não é isso que o torna errante. Não é como se ele fosse um nômade nem nada do tipo. Não tem dinheiro para sair andando pelo mundo e nem coragem para ser completamente independente de qualquer finança. Podemos dizer que ele é mais confuso que qualquer outra coisa. E na verdade, embora ele se entenda como o mais lúcido dos seres, essa confusão e falsa lucidez, talvez sejam responsáveis, nem que seja em parte pelo nome que adquiriu ao longo de sua semi-eterna estada em sua confortável casa.
“Mas por que essa... ah... loucura... faz dele um errante?” Alguém com mais razão que eu pode acabar perguntando – ou não – se algum dia, por um acaso, conhecer a história que estou lhes contando – e que, na verdade, ainda não comecei. A resposta é tão insana quanto a existência do próprio personagem: Ele vive para pensar alternativas para uma realidade, cria utopias e viaja em sua mente procurando maneiras de fazer tudo dar certo para ele mesmo; Perambula em labirintos mentais procurando respostas para perguntas que se existem são muito confusas e se ele disser que as entende, está apenas tentando parecer intelectual.
Eu nunca disse que tinha alguma lógica nesse apelido, muito menos disse que seria por conta de algo genial. Pelo contrário, alertei desde o início que seria insano. Além da falta de inteligência e de sentido – um niilismo completo – todos os devaneios o colocam no centro de seu próprio pensamento como se toda mudança no mundo tivesse que passar por ele para que decida o quanto é bom e válido tomar determinada medida. Pois é, Errante não passa de um babaca arrogante. Acho que se pudesse, ele viveria no universo daquelas distopias como Admirável Mundo Novo. Enfim, tudo isso construiu o Errante, ainda que sem muita razão, mesmo que meio tosco.
Ainda há algo a comentar, afinal, sem tocar no assunto o título seria ainda mais injustificável. Um elemento tão presente que embora não fosse uma característica do Errante, estava quase fazendo parte dele. Tá, já sabem que estou falando da “indissociável mochila”. Não é que fosse impossível retirar do corpo como se fosse uma coisa só – eu só queria usar uma palavra bonita –, mas onde está o Errante, está a mochila, mesmo que ele use um terno ou que ela estivesse vazia, ela está lá. Por isso onde estiverem escutam comentários – alguns mais divertidos que outros, pra ser sincero. Mesmo assim, nada é suficiente para separar os dois. Na verdade, uma comparação bastante justa seria com um violino que é vendido como o violino em si e o arco, sem o qual o violino não tem o mesmo efeito, é necessário que estejam aos pares. E por isso o personagem adquiriu essa grande afeição pelo seu objeto favorito no mundo inteiro.
Sei que estou me prolongando demais em perfumarias e que ainda nem comecei a história, mas com paciência chegamos lá.
Antes de continuar é necessário – mentira – descrever do conteúdo da mochila. ­­­­Era bem grande e com muitas aberturas. Acho que é um dos motivos pra ele gostar tanto dela. Cabe muita coisa nela, mesmo! Num dos compartimentos menores sempre estava um bloco de notas e um lápis ou caneta, ele variava à medida que ia perdendo e achando, mas o bloquinho estava sempre lá, quase tão importante quanto a própria mochila. Num compartimento um pouco maior, uma garrafa d’água e, improvisadamente isolado, o livro que estava lendo no momento. Ao lado, eventualmente, aparecia uma câmera, mas não tirava fotos com tanta frequência. Na parte maior estava às vezes um casaco, um caderno, ou um livro quando não cabia no outro compartimento, sem contar com a comida.
É importante agora – importante mesmo! – constar o cansaço e o nível de esgotamento mental em que o Errante estava em um determinado momento de sua vida, ainda que não pense coisas lá tão úteis, pensa demais, não tem um tempo de ócio mental e isso acaba fazendo seu cérebro entrar em curto. Precisava de algo diferente, não queria mais a rotina e os problemas do dia-a-dia. Se achava superior demais para isso, mas do modo em que estava até eu tive que concordar que ele precisava fazer algo. Embora eu achasse que ele precisava de um psicólogo, ele acreditava precisar ser realmente aquilo que já estava no seu nome: Errante.