domingo, 12 de março de 2017

The wind has changed

“Tanto o autor como o texto (...) são, naturalmente imaginários”.
  • Fiódor Dostoievski

Oi,

Tá tudo muito estranho. Tá estranho aqui, no Brasil inteiro, nos EUA muito mais, na Palestina não porque a história tá assim há bastante tempo. Tá, talvez o mundo esteja assim e não seja tudo de agora, mas vejo que algumas coisas mudaram ao menos de aparência repentinamente por agora. Bem, tá tudo igual. Ou tá tudo diferente. Me diz tu, por favor. Bom, se estiver tudo diferente pra ti, eu digo que pra mim também, ao menos muita coisa na minha própria vida também.

O mesmo movimento louco universal que tá afetando o mundo, tá fazendo uma bagunça na minha mente. E é por isso que vou colocar aqui a hipótese de conclusão que tinha em mente até dois minutos atrás (e no presente, e no futuro): tá tudo assim porque tá tudo indo pro mesmo lugar. Tá tudo assim porque as coisas todas tem que ser assim e é isso. Mas isso não importa. Só está aqui porque não quero concluir nada no final, não quero conclusões, quero respostas, respostas tuas!

Como eu ia dizendo: minha mente tá bem bagunçada e, com isso, eu nem sei mais o que tá acontecendo. É tanta culpa, é tanto erro, é tanta dor e sofrimento sendo dita que eu não consigo mais lembrar do que eu dizia uns anos atrás sobre tudo isso. Como lembrar, afinal? Quando paz, calma, graça e humildade foram palavras completamente descartadas do vocabulário das pessoas. Descartar pode ser o termo errado, ou ao menos impreciso, então vamos mudar para negligenciar, ou até mesmo subverter.

Aliás, subverter era uma palavra que eu gostava bastante, lembra? Eu tinha bastante a dizer sobre ela. Agora não importa o que se tem a dizer, o que se gosta também não. Sobrevivência vem antes de luxos como esses. Todos precisamos sobreviver. E aí sabemos que os Titãs estavam certos, só que estavam esquecendo dos detalhes.

E por falar em sobrevivência, ah, como o mundo assusta quando se conhece ele. Vou me desprender um pouco das minhas convicções pra falar o quanto é possível temer o mundo sem elas. Aliás, temer com “T” maiúsculo. É, eu sei que entendeste. Desde que somos paridos, o nosso redor já é um lugar muito desconfortável. Nas últimas mudanças da minha vida, e do mundo, esse desconforto passou a ser um total desagrado. O mundo é desagradável. Tem sido nesses últimos tempos, ao menos. Não há nada a se fazer sobre isso. Mesmo se o assunto fosse apenas a minha vida, não haveria volta. E não há problema nisso. Mas não significa que toda a conjuntura não assuste.

Podes não entender por completo o quanto as coisas estão diferentes. Eu não te julgo. Não te culpo. Mas mesmo assim queria que me tu me dissesse exatamente o que não compreendes. Paradoxal, não? Mas é tudo o que eu quero. Por isso te procuro para me corresponder contigo. Sei que quando costumávamos conversar, eu era bem diferente, e o mundo era outro. Na verdade, acho que quando paramos de nos comunicar as mudanças já estavam acontecendo, mas as coisas mudaram tanto que eu sei que tu não sabes da maior parte. Quero a tua visão agora, tua resposta. Me diz, o quanto eu mudei? o quanto tudo mudou? Tô esperando a resposta.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Melpômene e A Poética de Nós Dois

Hoje eu só quero te falar de poesia; afinal, tudo o que temos e almejamos é, sempre foi e sempre será, poesia.
Poesia somos nós, na métrica, na rima, no ritmo e na essência; Poeta rebelde é o que nos escreveu, pela ausência do uso do tradicional em nossos versos. Eis aí a nossa beleza, eu penso. Poeta diletante e erudito, além de tudo, por nos fazer metáfora de outros poemas, como Sartre e Beauvoir, Scott e Ramona, etc.
Poesia são nossas mentes entrelaçadas através dos olhos castanhos e gigantes aos quais me conecto pelos meus olhos, também castanhos, perdidos e apaixonados.
Poesia é a tua boca, com desenho delicado e definido. Boca que ganharia da Mona Lisa ao gerar debates entre acadêmicos durante séculos para entender a beleza dos teus lábios e, não chegando em conclusão alguma, apenas te contemplariam.
E mais, poesia é o teu corpo fluido e perfeito; cada estrofe de ti faria músicos quererem, sem sucesso, criar melodias para captar a tua essência. Já tens tua própria melodia, o som doce da tua alma, uma sinfonia cheia de cordas em compasso ternário, como uma valsa.
Poesia são nossos corpos juntos, o contato divino e unificante das peles que não param de se mover, o encontro das respirações intensas, constantes e sincronizadas. Assim, poesia é amor. O nosso amor. E por ser amor é coração, e o teu coração é poesia: sempre disposto e entregue, lindo e apaixonante, feito da carne mais quente e suave, aconchegante e gigante.
Poesia aconteceu. Aconteceu nesses seis meses, nesses nossos seis meses. Não se tratam de sonetos, nem somos parnasianos. Somos poesia sendo recitada todos os dias pelo Pai que nos deu como presente os poemas cotidianos para respirar.

Ramesses Munhoz

            

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Arcoirieiraremos

Tudo o que há na natureza é simplesmente genial. Cada aspecto da maravilha arquitetônica que vive chamada Terra é fascinante. É lindo pensar que tudo que existe está lá por algum motivo e que cumpre uma função que contribui para que outros elementos da criação também cumpram as suas. No “Imenso Outro”, tudo tem seu lugar e seu propósito, além de uma série de significados e de sentidos que só podem ser compreendidos em situações muito específicas por mentes humanas. Dentre todas as pequenas partes desse todo estão o mar, com sua própria fauna e flora, totalmente distinta da terra seca, com sua própria cor, beleza e cheiro. Também a própria terra com seus animais de diversos tipos e tamanhos, infindáveis espécies de infinita diversidade, as mais curiosas formas de vida com suas mais questionáveis e ainda sim indiscutíveis belezas. Ao mais, uma flora que deixa qualquer um sem palavras, árvores de todos os tamanhos, flores de todas as cores e frutos com toda sorte de sabores que se possa imaginar. Lindas paisagens se pintam com o mar e a terra. Mas ainda há o céu, com suas próprias peculiaridades. A cor que varia do preto ao rosa, passando pelo azul e pelo laranja, passeia pelo cinza e volta a colorir.  Nesse céu há Sol, estrelas, Lua, pássaros, insetos, planetas e às vezes nuvens e eventualmente, graças a presença dessas nuvens e o seu desaparecimento, uma imagem semicircular aparece no céu, colorida e encantadora. Sobre as nuvens, elas ora estão brancas, ora começam a escurecer, ora estão completamente negras e cobrem o Sol completamente, parecem ser feitas de algodão. É por causa delas que de vez em quando chove.
Chuva: Fenômeno que ocorre devido à condensação do vapor de água aglomerado em forma de nuvens no céu, quando várias gotas dessa nuvem atingem peso suficiente para precipitar. É o que acontece quando muita água está junta, no céu.
Podemos falar da polissemia da chuva. Além do sentido metereológico já citado, ela também é bastante importante na teologia. Lembremos de Noé. Deus tinha mandado chover. Não só isso, água vinha do céu e de baixo da terra pra afogar tudo o que respirava. Noé se preparou, reuniu tudo o que tinha de sobreviver e levou para um barco. Demorou anos para construir o barco e esperou mais tempo ainda dentro do barco até Deus fazer cessar a chuva e deixar a água baixar. Na cultura popular a chuva também tem seu lugar marcado. Inúmeras canções tratam a chuva com muito cuidado, Maria Rita, por exemplo, traz a chuva e a reação do povo com relação ao excesso da mesma, além da nostalgia e da melancolia que só esse fenômeno pode provocar. Mais que isso. A chuva tem um significado próprio pra cada pessoa. E pra grupos de pessoas. Pra nós!
Acho que não preciso nem dizer o quanto já vimos e falamos de chuva. Não é necessário falar o quanto já choveu nesse tempo todo. Desde janeiro até uns dias atrás com pausas muito curtas ou talvez sem pausa nenhuma, com variação de intensidade constante. Ruas se alagaram, pessoas adoeceram, sim, muita coisa aconteceu por causa da chuva. Seja literal ou metaforicamente tudo isso é verdade. Choveu nos melhores e piores momentos. Ora a precipitação só nos ajudava, ora nos afastava efusivamente. Mas não há do que reclamar, afinal toda essa chuva proporcionou uma série de lembranças que não se podem comparar. Produziram choro que se disfarçava como gota de chuva, mas também produziu os melhores abraços e ótimas memórias, além de literatura.
A chuva diminuiu, o céu abriu nem que fosse um pouco, e a luz do sol passava entre as poucas nuvens que restaram, atingiu as poças da água e a água que ainda estava no céu, e como um prisma, essas gotas separaram os raios solares em sete lindas cores, nossas cores, cores dos nossos ósculos. É o Arco-íris que aparece depois das chuvas, depois do temporal, tanto do que nos separa quanto do que nos une. Sempre há de haver um arco-íris para destacar em nós a luz e acabar com o cinza amargo do nosso interior, pra afastar a tristeza e a nostalgia, para alegrar o que deve ser alegre e deixa de sê-lo por alguns instantes.
Agora ainda chove, mas não é mais uma chuva de tristezas, não é como era antes, e mesmo  que fosse, entre essas nuvens que carregam toneladas de água que ainda estão para cair há de vir uma luz, sabemos de algo, algo que desde o início eu te disse, algo que está marcado em algum lugar da tua biblioteca e que tem sido uma verdade, uma verdade que é nosso presente, que é nosso futuro: Meu bem, Arcoirieiraremos.

domingo, 23 de agosto de 2015

Teatro de Insetos

Um homem com seus pensamentos e sentimentos reduzidos a pó por decepções. Fora transformado em inseto por esses motivos. Agora, inquieto e procurando um modo de reencontrar sua humanidade, ou conformado com sua nova vida buscando a sua nova casa apenas com o endereço em sua mente, ou em seus instintos. Bom, não sei ao certo o que fazia. Seja lá onde estivesse indo, passou no meio de uma briga. Um homem e uma mulher bem vestidos discutiam algo que não soava inteligível ao inseto. Não importava, o seu caminho não era aquele, mas passou pelo meio dos dois. A mulher esperneando sem ritmo algum, pisoteou o pobre inseto. Era o fim das suas chances de voltar a ser humano.


Gregório, um inseto travestido em homem, arrogante, irritante, crocante e ignorante. Residia na mesma casa de madeira que sua esposa (quase ex-esposa, na verdade), Joana - o nome já diz tudo. Desde que se casaram, não pararam de brigar, e isso já tinha acontecido há dois anos. Até hoje nem eu, nem ninguém entendemos como eles conseguiram se casar, nem o motivo. Agora, enfim, estavam tendo uma conversa crucial, todo o relacionamento ia depender desse momento. Gregório citava com frieza cada uma das falhas de Joana, e ela, esperneando o chamada dos piores chingamentos possíveis. Não estavam preocupados com nada que pudesse estar acontecendo além do mundo deles, não se importavam com o barulho do chão de madeira ao bater os pés no chão, nem com os irritantes gritos que saíam de suas bocas, nem ainda se de alguma forma estavam interferindo na vida de algum outro ser.
Curiosa é a vida, incrivelmente. Pois após todo o acontecido, Gregório não resistiu à beleza irritada de Joana e suas sardas. Beijou-a. Desistiram de todas as mágoas. Foram felizes juntos, ao contrário de outros insetos.

sábado, 8 de agosto de 2015

Crônicas do Errante e sua Indissociável Mochila I

O único elemento lógico que habita dentro da própria vida é que ela não possui uma lógica própria. O mais ilógico nisso tudo é que as pessoas ainda se surpreendem com essa característica tão óbvia da existência. Risos. Talvez porque lá no fundo pensamos que realmente há um sentido único para o qual toda a vida flui, só que somos incapazes de perceber como, quando e o quanto isso acontece. Em parte, admito que acredito nisso e há mais um que acredita, e é sobre ele que eu quero escrever. Vamos chamá-lo de Errante.
A primeira característica visível do Errante é que ele não é a pessoa mais certa do universo, rema contra a maré e evita ao máximo estar de acordo com a maioria, isso se tornou um defeito à medida que se acha melhor por isso, e também ao deixar de gostar de músicas, comidas, livros e filmes apenas por ser o gosto da maioria. Particularmente, esse jeito é algo que detesto nele. Espero que ele mude e rápido. Enfim, vamos continuar antes que eu me perca. Uma parte interessante em ele não ser muito certo é que ele dá liberdade para coisas novas em sua vida, especialmente mudanças.  E um terceiro aspecto, vale lembrar, é justamente os erros que comete, não que esse seja o motivo de o chamarmos de errante, o apelido tem uma conotação diferentíssima.
Okay, outra interpretação possível seria dizer que ele anda incerto por aí, mas também não é isso que o torna errante. Não é como se ele fosse um nômade nem nada do tipo. Não tem dinheiro para sair andando pelo mundo e nem coragem para ser completamente independente de qualquer finança. Podemos dizer que ele é mais confuso que qualquer outra coisa. E na verdade, embora ele se entenda como o mais lúcido dos seres, essa confusão e falsa lucidez, talvez sejam responsáveis, nem que seja em parte pelo nome que adquiriu ao longo de sua semi-eterna estada em sua confortável casa.
“Mas por que essa... ah... loucura... faz dele um errante?” Alguém com mais razão que eu pode acabar perguntando – ou não – se algum dia, por um acaso, conhecer a história que estou lhes contando – e que, na verdade, ainda não comecei. A resposta é tão insana quanto a existência do próprio personagem: Ele vive para pensar alternativas para uma realidade, cria utopias e viaja em sua mente procurando maneiras de fazer tudo dar certo para ele mesmo; Perambula em labirintos mentais procurando respostas para perguntas que se existem são muito confusas e se ele disser que as entende, está apenas tentando parecer intelectual.
Eu nunca disse que tinha alguma lógica nesse apelido, muito menos disse que seria por conta de algo genial. Pelo contrário, alertei desde o início que seria insano. Além da falta de inteligência e de sentido – um niilismo completo – todos os devaneios o colocam no centro de seu próprio pensamento como se toda mudança no mundo tivesse que passar por ele para que decida o quanto é bom e válido tomar determinada medida. Pois é, Errante não passa de um babaca arrogante. Acho que se pudesse, ele viveria no universo daquelas distopias como Admirável Mundo Novo. Enfim, tudo isso construiu o Errante, ainda que sem muita razão, mesmo que meio tosco.
Ainda há algo a comentar, afinal, sem tocar no assunto o título seria ainda mais injustificável. Um elemento tão presente que embora não fosse uma característica do Errante, estava quase fazendo parte dele. Tá, já sabem que estou falando da “indissociável mochila”. Não é que fosse impossível retirar do corpo como se fosse uma coisa só – eu só queria usar uma palavra bonita –, mas onde está o Errante, está a mochila, mesmo que ele use um terno ou que ela estivesse vazia, ela está lá. Por isso onde estiverem escutam comentários – alguns mais divertidos que outros, pra ser sincero. Mesmo assim, nada é suficiente para separar os dois. Na verdade, uma comparação bastante justa seria com um violino que é vendido como o violino em si e o arco, sem o qual o violino não tem o mesmo efeito, é necessário que estejam aos pares. E por isso o personagem adquiriu essa grande afeição pelo seu objeto favorito no mundo inteiro.
Sei que estou me prolongando demais em perfumarias e que ainda nem comecei a história, mas com paciência chegamos lá.
Antes de continuar é necessário – mentira – descrever do conteúdo da mochila. ­­­­Era bem grande e com muitas aberturas. Acho que é um dos motivos pra ele gostar tanto dela. Cabe muita coisa nela, mesmo! Num dos compartimentos menores sempre estava um bloco de notas e um lápis ou caneta, ele variava à medida que ia perdendo e achando, mas o bloquinho estava sempre lá, quase tão importante quanto a própria mochila. Num compartimento um pouco maior, uma garrafa d’água e, improvisadamente isolado, o livro que estava lendo no momento. Ao lado, eventualmente, aparecia uma câmera, mas não tirava fotos com tanta frequência. Na parte maior estava às vezes um casaco, um caderno, ou um livro quando não cabia no outro compartimento, sem contar com a comida.
É importante agora – importante mesmo! – constar o cansaço e o nível de esgotamento mental em que o Errante estava em um determinado momento de sua vida, ainda que não pense coisas lá tão úteis, pensa demais, não tem um tempo de ócio mental e isso acaba fazendo seu cérebro entrar em curto. Precisava de algo diferente, não queria mais a rotina e os problemas do dia-a-dia. Se achava superior demais para isso, mas do modo em que estava até eu tive que concordar que ele precisava fazer algo. Embora eu achasse que ele precisava de um psicólogo, ele acreditava precisar ser realmente aquilo que já estava no seu nome: Errante.

quinta-feira, 4 de junho de 2015

O Exílio e O Asilo

A tarde era escura, quase como noite, e as nuvens pesadas encobriam todo o topo do céu, assim só podia vê-lo no horizonte, mas mesmo lá não havia luz. Acho que não é necessário dizer que choveu, e como choveu. Eu gosto da chuva, mas já estava farto dela no instante em que ela começou a cair. Essa água fez parte da minha vida em muitos momentos importantes, a ponto de eu simplesmente ter me enjoado. Espero que as nuvens não tomem isso como algo pessoal, até porque ainda amo sentir as gotas caindo, principalmente sobre o topo da minha cabeça, só não queria nada disso naquela hora.

Ainda assim decidi sair por aí, como eu não fazia há muito tempo. Não foi uma decisão tão espontânea e tão minha, contudo continuava sendo a escolha que eu fiz. Me pus a caminhar, sem objetivo algum, apenas uma perna na frente da outra, ambas debatendo sobre o que viria depois. Andava só, na selva de abstrato cheia de prédios sem forma nem sentido, que se espalhavam modulantes em todas as direções, o meu olhar contrastava o que eu enxergava com os pensamentos que achava ser concretos anteriormente e era tudo tão incolor que até mesmo eu me acinzentava. Nada de edenico nessa caminhada, muito pelo contrário, em minha mente estavam as projeções dantescas do futuro próximo enquanto minhas pernas continuavam indo adiante. Estava sem perspectivas do que viria a seguir, passei a simular cenas que nunca ocorreriam, cenas coloridas que modificariam o panorama preto e branco que se anunciou mais cedo. A pouco o sol estava no centro do céu, antes de as nuvens se fecharem sobre ele, e nesse contexto é que eu fui exilado.

Parece até exagero falar em exílio e assim, sem querer, me comparar a pessoas que se encaixariam nesse termo muito melhor que eu, mas a questão é que eu fui sim retirado do lugar que eu achava ser vinculado a mim. Tudo aconteceu sem desastres homericos, na verdade. Apenas fui sendo marginalizado aos poucos até cair em esquecimento. Sem hiperboles, apenas pontos factuais. Fui excluído da vida de uns, privado de lugares, exilado da memória de outros e ainda, ostracizado da literatura de alguns mais. Como se nunca tivesse vivido o que vivi, como se não estivesse estado lá naquele dia que todos lembram como incrível, o qual acabou por virar escrita, e ainda, como se eu não fizesse parte dos motivos para aquele ser um dia inesquecível, como afirmam. Como se, também, não tivesse feito parte das vidas daqueles que me chutam para fora por motivos completamente duvidosos. Ainda, como se eu fosse um problema… um problema, não… O maior dos problemas… não, não, ainda não… O único problema. Okay, talvez a maioria vá pensar que isso tudo não passa de coitadismo (aliás, que palavra feia), ainda é a verdade, e a minha existência em meio a existência de outros foi sumindo em gradiente, como um fade out ao fim de uma cena em um roteiro.

O curioso é que a vida continua, e eu, ostracizado, ainda existia, mesmo que apagado em diversas estruturas, ainda que esquecido por sujeitos individuais. Estar apegado ainda era um problema, mas era tarde. Agora o objetivo era encontrar asilo, lugares de calma e paz, vidas nas quais pudesse me depositar novamente. E continuei andando. Me sentei em frente ao mar no dia escuro e frio entregando gotas a quem deveria conter toda a água existente em mim. E agora que tudo o que havia de líquido em mim havia encontrado asilo, era vez do eu sólido encontrar um lugar para ficar, e procurava conversar com alguém que pudesse me ajudar, e por isso movi minhas pernas ainda mais. Elas gritavam, agora, andando cada vez mais rápido em direção de algo, em caminhos tortuosos, confusos para o meu entendimento. Por esses caminhos encontrei asilos antigos, manicômios, prisões e hospitais… Foucault me entenderia agora, e entenderia também o porquê de eu não querer permanecer nesses lugares, não era ali que deveria estar. Merci, Michel.

Ainda precisava de um lugar e não achava. Por isso minhas pernas, já cansadas e doídas ainda aceleravam o seu movimento a fim de me levar ao lugar onde eu precisava estar e em meio a vozes dissonantes e instrumentos desafinados, eu me encontrei. Ali estavam as frestas que me ventilavam, novidades que pareciam me iluminar o futuro, de algum modo, tudo o que eu mais desejava, mesmo sem saber muito bem do que se tratava, como diz a canção, eu podia encontrar naquele mesmo lugar. Lugar de asilo, refúgio, descanso. E eu pude reaparecer, reexistir, fui recolorido e restituído, era eu ali, novo em folha, no meu lugar.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Xeque Mate

É, me ganhaste. Não que resida algum problema nisso, só que eu nunca fui um bom perdedor e acho que não mudei em momento algum. Não esperava a derrota, ainda que não soubesse jogar o jogo. Esperava que a minha mente me protegesse, estava crendo que minha inteligência poderia me manter avisado de qualquer coisa que pudesse acontecer. Não percebi que cada detalhe faz diferença num jogo como esse, mas o maior dos detalhes é que eu não sei as regras.

Na verdade, tem razão quando dizes que eu sou um inexperiente para jogos deste nível, de fato, nunca joguei nada assim e, sinceramente, não me importo com isso. Por outro lado, talvez pudesse entender cada movimento das suas peças se soubesse mais sobre como funciona tudo isso. Na verdade, acho que eu posso justificar a minha “ruindade” dizendo que eu mal penso nas minhas jogadas, apenas em como reagir às tuas, pois apesar de me deixares jogar primeiro, sabes muito mais que eu o que fazer a seguir e acabas com isso sempre tomando a dianteira nos ataques.

No entanto, sempre me deixas ir primeiro em tudo, eu gosto do jogo, mas isso sempre me chama atenção. Eu tento simplesmente realizar minhas jogadas em função das tuas, mas os teus movimentos são em sua maioria em resposta aos meus. Entendo o teu receio, na verdade, quando não querer agir antes de mim e admiro isso, admiro tuas jogadas e as tuas respostas às minhas sempre me deixam embasbacado, mas acima de tudo, gosto como me analisas a cada rodada enquanto eu analiso a tua análise, imaginando que deves estar prevendo cada movimento que eu possa fazer ou que, talvez, queiras me levar a algum lugar específico onde possas realizar com sucesso as tuas estratégias.

Bom, essa foi a nossa abertura, e ela ocorreu de um modo muito estranho, nunca imaginaríamos onde nossas peças estariam agora, verdadeiramente, foi uma abertura bem incomum, mas ao menos estamos com nossas peças mais importantes protegidas para que não precisemos nos preocupar com tristezas mais tarde, porém, todo o receio incluído nas nossas mãos enquanto mexemos os peões me assusta, pois gostaria que tudo nesse jogo fosse mais natural e espontâneo, sem medo e sem dúvidas… Não posso fazer nada, a confusão faz parte do esporte e eu já deveria ter me acostumado com isso.

No meio-jogo tudo ficou mais louco, e por isso mesmo, melhor! Sempre me ajudaste em todas as minhas jogadas e eu sempre te acompanhava nas tuas. Aconteceram muitos ataques, e eu desatento, perdi cavalo, torres e bispo. Isso é o que acontece quando, enquanto se joga, se fica pensando em ósculos, mas enfim… Com o cavalo que me restava osculei a dama mais charmosa - ou deveria dizer demente? - do tabuleiro. Isso me deu vantagem, mas ainda sim, minha derrota estava certa, pois com poucos movimentos certeiros me imobilizaste, deixaste com que não pudesse mais me mover para salvar o jogo, e agora tenho medo que qualquer movimento acabe com o jogo.

Chegamos ao fim do meio-jogo, mas não quer dizer que o jogo esteja acabando. Me ganhaste e isso é um fato, mas agora só posso pensar em tentar, de alguma forma, permanecer no jogo sem fazer movimento algum, se assim me permitires. Gostaria que desses os próximos movimentos, mas sem que tudo isso acabe, não estou pensando em ir a lugar algum, só em ficar sentado olhando para tudo, analisando tudo e vendo o quanto tudo isso é promissor. Me diz o que fazer, pra onde me mover… Ou melhor, não fala nada, não move nada, já me tens ganho e pode tudo continuar assim, já não quero te perder.
E nas palavras do Camelo: “Eu que já não quero mais ser um vencedor
Levo a vida devagar pra não faltar amor”.