Estava olhando a rede, olhando atentamente, procurando antigos nós que podiam estar se desfazendo. E para matar a saudade da pescaria, resolvo ver como está todo o material. Olho as linhas enredadas e desenredo todas, busco novas iscas e novos anzóis, mas não me desfaço de minhas antigas linhas, varas e principalmente as redes.
Foi graças às redes que achei algo que nunca imaginaria achar. Bem, depois de muito tempo sem pescar nada, resolvi praticar jogando as redes em águas que ninguém costuma jogar, e nem sei o porquê, na verdade há uma lenda sobre isso, mas não é importante agora. Enfim, foi aí que achei o tal item que nunca imaginaria achar.
Um velho livro manchado de crônicas do qual já havia esquecido da existência. Agora, vendo que foi a única coisa pega por minha rede, recolho-a para o barco e pego o livro, um livro pequeno, incrivelmente seco e limpo, como se não tivesse estado na água todo esse tempo [como se eu soubesse quanto tempo ele esteve ali], em sua contracapa há um manuscrito ilegível e mais em baixo, algo que parece ser uma assinatura. Fechei o livro.
Agora voltei com o barco para a margem deste rio, ou talvez um mar. Recolho tudo o que me pertence, incluindo o livro, e vou descansar. Mais tarde, bem mais tarde, à luz das velas em meu quarto, deitado em minha cama pego o livro mais uma vez. Com minhas mãos juntas e o livro no meio delas e fecho meus olhos, de um modo ritualístico abro o livro em uma página e eis o que diz em negrito e sublinhado, não mais um manuscrito: "Meu Clone".
E me deparo com a minha cabeça dilatando ao encontrar-me em confusão. Não sei o que isso quer dizer, mas parece que o livro está dialogando comigo. Marco a página. Tento colocá-lo na estante, mas ele fica me chamando, deito a cabeça em um travesseiro macio, daqueles que qualquer um coloca a cabeça e logo dorme, mas não foi assim, não esta noite. O livro me chamava e eu mandava calar, ele gritava e eu o tentava silenciar com outros livros, nada adiantava, por fim, peguei o livro novamente, abri na página marcada e li. Unidos por um --- só, uma --- monstro, um --- constante. A princípio, apenas literatura. um corte. Olho o dedo. uma música. Olho o violão. um espelho. NÃO.
Algo parece começar a fazer sentido. Isso só pode ter sido feito por... Não pode ser... Não por... Olho para o espelho mais próximo e vejo a mim mesmo, agora com as mãos no rosto, esperando que a reação do espelho possa ser diferente da minha, e consequentemente perceber que tudo é um pesadelo. O pior de todos. Acordo, mas não porque eu estava tendo um pesadelo, e sim porque agora estava num estado de lucidez que não poderia atingir antes, minha mente foi transportada para a "última noite" antes de tudo ter acontecido. Na verdade, dependendo da noite, eu podia esperar ou não por tudo o que iria acontecer. E viajando pelo tempo tudo o que está escrito naquele livro recolhe-se em minha mente. Sei de tudo o que está escrito e tudo o que aconteceu para que este momento chegasse. E voltando para o presente percebo: fui eu.
Parece estranho, não? Eu ter escrito tudo isso e me esquecer assim. É que eu morri, morri para mim mesmo, e nem sei o porquê. Mas na verdade não era eu, eu mesmo. Era um outro eu. Um eu mais alto, mas com o cabelo igual, não só o cabelo na verdade. Era eu. E não havia quem negasse, todos nos conheciam e sabiam que eu era eu, mas sempre respeitando as diferenças entre eu. O que eu faria, eu nunca fiz, o que eu comia, nunca comi, na verdade, mas tudo estava em mim.
Havia "pessoas" "pra te mostrar que estou voltando", "pouco a pouco" "suplicando" o "verdadeiro amor" e todos eram letras, palavras, frases e todos agora estavam em mim e eram eu. Mas afinal, quem era eu? Porque teria escrito aquilo? e a resposta era simples: "Meu Clone".
Peguei meu barco. Quatro da manhã. Joguei o livro na água. O mar do esquecimento.
Aparentemente caí no sono em meu barco.
***
Acordei. Saí da cama para tomar café, uma dor de cabeça forte e palavras se mexendo em minha cabeça, melhor botá-las para fora. Escrevi.
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